A consciência é o olho de Deus no interior do homem!

Hoje falaremos principalmente do fator resiliência, isto é, de quais são os meios que podem minimizar os efeitos negativos do ambiente e da hereditariedade e deixar que a individualidade da criança floresça, que seu “ser solar” brilhe APESAR das adversidades da vida.

Ao nosso ver o “ser solar” é a semente espiritual abrigada pelo corpo que se torna como se fosse a casa do espírito. Atualmente, cada vez mais crianças nascem com este sentimento, normalmente vago, mas às vezes expresso conscientemente – de que sua origem é solar ou divina.
A semente precisa ser regada, cuidada, precisa de uma atmosfera limpa, uma terra adubada, um calor que a envolva, uma mão que a regue e cuide dela com amor. A pergunta é portanto: Como criar um ambiente que favoreça o desabrochar desta semente que podemos chamar de divina, esta “pedra preciosa” em cada indivíduo?
Observou-se em muitas crianças que foram expostas a experiências negativas que nem todas reagem da mesma maneira. Foram feitas pesquisas durante 40 anos pela Fundação Van Leer, onde se percebeu que crianças vivendo em ambientes criminosos, com pais alcoólatras ou desestruturados nem sempre tornaram-se criminosas ou associais. Para os pesquisadores, que na maioria eram influenciados pela visão de que o ser humano é determinado principalmente pela hereditariedade e pelo ambiente, surgiu uma grande pergunta: O que aconteceu na vida destas crianças que fez com que elas não repetissem o mesmo esquema de vida da sua família e do seu entorno? Qual foi o fator determinante para isto não acontecer? A hipótese implícita é a de que se soubermos o que permite às pessoas livrar-se de danos permanentes, apesar de graves experiências negativas, teremos os meios de incrementar a resistência às adversidades. Aí se percebeu que houve na vida destas crianças pelo menos uma pessoa de referência, uma pessoa de confiança, à qual a criança podia recorrer quando tinha perguntas, medos, aflições.
Rutter(**), em 1978, propôs a denominação de resiliência a este fenômeno de resistência a experiências negativas. Na física, resiliência significa elasticidade.
A resiliência em grande parte não é inata, mas é construída a partir do esforço de cada pessoa que rodeia a criança, principalmente dos cuidadores da educação, da área de saúde, da cidadania, inclusive dos tomadores de decisões nas políticas públicas. Estas e outras descobertas, inclusive as da neurociência e da pedagogia Waldorf, resultaram em sugestões de como criar esta resiliência nas crianças.

 Construção de resiliência

O período mais importante é a primeira infância de 0 a 3 anos e, em seguida, com efeitos gradativamente diminuindo, até aproximadamente 10 anos. É evidente que a individualidade, a força do Eu de cada pessoa pode, mesmo na idade adulta, transformar um quadro negativo na infância. A educação, segundo Salvador Soler da Unicef, é como se fosse uma vacina contra fatores de risco. A educação tem sido considerada o alimento do cérebro. Dependendo, obviamente, de que tipo de alimento! Olhemos como construir esta resiliência, esta pele psico-social, esta “armadura dourada” para a criança.

Existem vários fatores importantes:

1. A pessoa de referência: o fato de nem sempre a família poder ser a pessoa de referência é cada vez mais comum. A conseqüência disso é que esta pessoa de referência deva existir também, nas creches, nos orfanatos, nas escolas, o que implica em organizar o trabalho nestas instituições de tal forma que uma pessoa acompanhe a criança o mais perto possível e por um tempo o mais longo possível. Por exemplo, no berçário uma pessoa deve ficar responsável por um certo número de crianças. Ou nas escolas, o professor acompanha o aluno da 1a. à 4a. série etc. Assim o cuidador conhece cada dia mais a criança, suas capacidades e necessidades individuais, sua maneira própria de se colocar na vida, na Terra. A criança se conecta com outro ser humano que lhe confere segurança.

2. Criar um envoltório, um “ninho” em volta da criança, que seja permeado de calor, de cores e tons suaves, que evite estresse e exigências inadequadas à sua idade e onde ela possa se sentir recebida pelo mundo. Para isto poder acontecer é necessário, por exemplo: a) criar um ambiente aconchegante, vivo, não só higiênico estéril, em um espaço o mais natural possível mesmo sendo numa região pobre; b) criar em volta da criança um ritmo de vida, isto é, hora de comer, hora de dormir, hora de tomar banho etc. Uma vida irregular cria estresse e frustrações na criança. O ritmo, ao contrário, cria nela a segurança de que necessidades essenciais ao bem estar do seu corpo serão satisfeitas. Assim não surgirá a pergunta expressa ou inconsciente: Será que hoje vai ter comida? Será que meu corpo vai ser cuidado? c) pertencer a um grupo familiar, cultural, lingüístico etc, que dê a sensação de pertencer a algo. Calor humano e compreensão da individualidade são palavras chaves, isso em um ambiente de firmeza que dá à criança uma direção na conduta ética e lhe proporciona esperança na vida.
3. a) Brincar criativamente , movimentar-se e interagir com os elementos da natureza (terra, água, ar, fogo, pedras, plantas, animais, etc). Assim a criança cria uma ligação afetuosa com a terra, com seu corpo e com um grupo de crianças.

b) Proporcionar à criança a possibilidade de expressar o seu íntimo através da arte . Ela se conecta com ela mesma! Vale ressaltar a importância do desenvolvimento da fala através da voz humana, viva. É nos primeiros três anos que se formam as sinapses que possibilitam uma linguagem rica. A criança aprende através de vínculos afetivos: falar, cantar, rimar é de suma importância.

4. Alimentar sua inteligência moral e espiritual com contos, mitos, respeito e gratidão à natureza e ao ser humano com suas diferenças, além de responder suas perguntas profundas a respeito da vida! Ela se conecta com algo além do mundo visível!

Robert Coles, pesquisador e cientista americano, enfatiza a importância de histórias de conteúdo moral.
É natural que certas crianças venham a ter mais de um ou de outro fator de desenvolvimento na sua infância. Queremos encorajar as pessoas ligadas à criança a se entusiasmar com esta perspectiva de criar conscientemente um envoltório de calor, luz e força vital, a criar uma resiliência!

A humanidade encontra-se num limiar entre, por um lado, tradição e instinto materno e paterno (onde muitos dos fatores acima citados foram sabidos e realizados) e, por outro lado, uma compreensão consciente das necessidades intrínsecas das crianças e de suas fases de desenvolvimento.

Vivemos numa época onde tudo deve ser entendido conscientemente, até algo tão natural como a amamentação. Nesta transição surgem muitos riscos, muitas adversidades, turbulências e perigos, que afetam diretamente a vida das crianças. Nem a vida das crianças nem a dos adultos serão fáceis neste século.

A meu entender, a violência tem a ver com esta falta de oferecer à criança e ao jovem os elementos necessários ao desabrochar da sua semente divina. Violência é uma força do querer dirigida para a destruição. Esta mesma força, nutrida com ideais, pode ser direcionada para construir o mundo. Na primeira infância, isso se dá principalmente no cuidado respeitoso de seu corpinho e do seu ambiente (alimentação, brincar, entorno e ritmo saudável) e do incentivo ao fazer, a participar ativamente nos afazeres domésticos etc. Na idade escolar deve-se principalmente promover seu sentido de beleza (ensinar artisticamente, teatro, trabalhos manuais) e de ética (vivenciado exemplo, gratidão do professor, histórias).

Na adolescência precisa haver um interesse para a individualidade do jovem e suas necessidades terrenas (sexualidade, preparação para uma profissão, emprego) e espirituais (procura de sentido da vida e do mistério da morte, procura de ideais, empatia).No entanto, os primeiros anos até aproximadamente dez anos são os mais moldáveis e podem, à medida que procurarmos entender a essência da criança, constituir o alicerce para uma vida de adulto digna, fisicamente, emocionalmente, socialmente e espiritualmente sadia.

A criança nos mostra qualidades que o mundo moderno precisa desenvolver abertura para o novo, perseverança, confiança, tolerância. Devemos ajudá-la a criar este esteio interior, que podemos chamar, conforme as pesquisas científicas, de resiliência. Assim ela nos ajudará a sobreviver com DIGNIDADE.

Por isso, é premente criar uma aliança, uma aliança em prol da criança, uma aliança em prol da paz. Uma aliança que possa salvaguardar nossa dignidade humana, nosso diferencial do animal, que é o amor incondicional e a procura da liberdade.

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Ute Craemer é pedagoga, fundadora da Associação Comunitária Monte Azul e co-fundadora da Aliança pela Infância (**) Professor de psiquiatria da Fac. de Medicina da ULBRA – Canoas – RS

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Fonte:  http://www.monteazul.org.br/arquivos/textos/arquivo_6865_20091214081742.pdf