Brother Pranavananda

Foto: Gabriel Guarany

Pranavananda, importante monge da Self, organização que difunde as ideias do guru espiritual Paramahansa Yogananda, conta como encontrar um sentido para a vida em tempos tão ácidos

Texto de Lyna Barbosa e Thais Brugnara, para a Revista Vida Simples de outubro/2017

Pranavananda é um nome comum na Índia. Pranava significa a palavra OM, reconhecida como o som de Deus. Ananda tem na sua essência a bênção da alegria divina. Assim foi batizado Pranavananda na sua vida monástica em Los Angeles, onde fica a sede central da Self Realization Fellowship, a Self, uma organização religiosa mundial que se dedica a continuar o trabalho espiritual e humanitário de Paramahansa Yogananda, iogue e guru indiano. A busca de Pravananda por Deus começou quando estava na universidade. “Me perguntava sempre no que eu acreditava e por quê”, conta. Como não encontrava uma resposta, começou a rever suas crenças. “Foi uma época difícil, mas provei a mim mesmo que Deus existe e então a pergunta passou a ser: quem sabe e quem pode nos ensinar sobre Ele?” Ele sabia que as respostas não seriam encontradas na política ou nas relações sociais. “Eu estava trilhando o caminho da carreira profissional, casamento e tudo mais, mas minha alma se rebelava contra tudo isso.” Foi quando recebeu da mãe o livro Autobiografia de um Iogue, escrito por Paramahansa Yogananda. “Passei muito tempo olhando para a capa, magnetizado com a foto do Mestre. Tentei focar nos estudos, mas, nos últimos dias de prova, não resisti.” Mergulhou, então, na leitura. “Nunca tinha lido nada parecido. Era exatamente o que minha alma ansiava.” E é com o conhecimento adquirido na sua vida monástica que Pranavananda esclarece questões que povoam o inconsciente coletivo e que, muitas vezes, nos impedem de abrir portas para uma vida mais serena e compassiva.

Qual o sentido da vida?

O significado da vida se manifesta em cada pessoa de uma maneira diferente. O significado da criação é a expressão de Deus. Logo, vejo o significado ou o sentido da vida como uma expressão de Deus, que é beleza, alegria, poder, força, coragem. Tudo isso são formas da natureza divina, mas, se não houver quem as compreenda, então não haverá dinâmica envolvida. Assim, o papel do ser humano na criação é expressar Deus e compreender suas manifestações na natureza, em outras pessoas e em si próprio, tornando o amor e a apreciação um caminho de ida e volta.

“Deus está dentro de nós, e estamos olhando para fora. A razão pela qual o sentimos tão distante é porque estamos com o foco para o lado errado. Precisamos treinar esse olhar interno”

Estará esse sentido ligado a uma ideia de propósito?

Com certeza todos possuem um grande propósito que é desenvolver essa realização, esse entendimento, essa percepção, expressar Deus e compreendê-lo. Assim, quando dito na Bíblia “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todas as suas forças e de todo o seu entendimento”, é exatamente isso, esse é o propósito. É amar seu vizinho como a si mesmo, isso é ver Deus, compreendê-lo e amá-lo.

Para muitas pessoas é difícil lidar com a palavra Deus. É algo muito abstrato…

Quando eu era jovem e estava na universidade, descartei todas as minhas crenças e tentei descobrir o que era real: seria Deus real? Como posso provar algo se eu não sei o que eu estou tentando provar? Passei a pensar na existência, pois seria algo que poderia me dar uma resposta. E aí pensei: e se Deus for tudo aquilo que existe? Se o espaço existe, então Deus é onipresente. Se o tempo existe, então Deus é eterno. Usei isso como a minha definição de Deus. Algum tempo depois descobri por meio dos ensinamentos de Yogananda que na Índia se referem a Deus como Sat Chit Ananda, união da existência, consciência e bem-aventurança. Yogananda dizia que Deus era a consciência da bem-aventurança. Para pessoas de qualquer religião que cultivem propriamente a relação com Deus, Ele se torna uma consciência viva na vida dessas pessoas.

Brother Pranavananda

Foto: Gabriel Guarany

Se Deus existe, por que nos sentimos tão distantes Dele?

Isso é porque, como Jesus disse, o Reino de Deus está dentro de você, e nós es-tamos olhando para fora. A razão pela qual nos sentimos distantes é que estamos olhando para o lado errado. O fluxo da nossa energia automaticamente leva a consciência para o lado de fora, a não ser que a tenhamos treinado para mantê-la dentro. Essa energia vem de uma fonte cósmica que é poderosa e dá vida ao corpo, pois não somos apenas moléculas. Vem com tanta intensidade, atenuando os sentidos, o cérebro e nossas percepções… Através da meditação podemos nos acalmar, silenciar, concentrar e relaxar, e a energia da vida começa a se retirar para dentro. E começamos a sentir paz, compreender o amor, a alegria e a luz por meio de coisas diferentes. Isso é começar a ver a presença de Deus dentro de nós e não mais senti-lo tão distante.

Fala-se muito sobre destino. Se algo nos acontece é por “conta do nosso destino”. Seria isso uma forma de isenção de responsabilidade diante de nossas atitudes?

A ideia de destino vem à mente porque as coisas acontecem fora do nosso controle, e às vezes parece que, não importa o que façamos, elas ainda vão acontecer. Isso faz com que as pessoas pensem que há um destino e que ele não pode ser mudado. Há, sim, um destino, mas é aquele que escrevemos, criamos para nós mesmos através de ações. E, ao reconhecermos isso, vemos que há responsabilidade pelas nossas ações. Cada ação, sentimento e pensamento que temos deixam traços, marcas em nosso corpo e espírito. Somos moldados pelo que pensamos e fazemos, e criamos nosso “destino” dessa forma. Muitas vezes pensamos: “É assim que eu sou, não há nada que possa ser feito”. Mas pode, sim! Yogananda dizia: “Se você não gosta do seu destino, mude-o”. E ele acreditava fortemente no poder da vontade e que assim poderíamos superar e vencer qualquer coisa tomando a responsabilidade para nós e mudando dentro de nós mesmos.

Somos reféns do nosso karma?

Por karma entende-se ações, e isso não um mistério. Nossas ações geram consequências que nos modificam. Por exemplo, se você conta uma mentira pela primeira vez, então não parecerá ser a coisa certa. Na segunda vez fica mais fácil, na terceira mais ainda, até que você não saberá mais que está mentindo. Da mesma forma acontece se formos prestativos e generosos, podendo ser difícil pela primeira vez, até que se torna cada vez mais fácil e vira parte de nossa natureza. Yogananda diz que criamos nosso karma através de nossos pensamentos e ações, e podemos mudá-lo através de pensamentos e ações. O que você fez pode ser desfeito, ninguém te mantém numa prisão a não ser você mesmo.

Cada um nasce com uma missão?

Todos nós temos uma importante missão. O que de fato é nossa alma? O que é nossa relação com Deus? Essa é a missão de todos nós. Às vezes, quando as pessoas sentem que possuem uma grande missão, um propósito maior que não se sabe qual é, a resposta é essa. Existem mais outros dois níveis. Por vezes as pessoas nascem com um karma passado e lidar com isso é a missão delas. Logo, iremos interagir com pessoas que conhecemos no passado e com quem tivemos problemas, e precisaremos dissolvê-los e criar novas causas para o bem, essa é uma missão. O nível final é aquele no qual uma grande ou boa alma nasce com um propósito, uma missão divina na terra, como a Madre Teresa numa época em que o mundo era tomado por egoísmo e ela introduz o puro amor. Penso também na Helen Keller – escritora e conferencista. Primeira surda e cega a conquistar um bacharelado. Ela abriu as portas para todas as pessoas deficientes do mundo. As pessoas têm diversas missões.

Como lidar com os medos e passar a ter mais confiança no que somos?

O medo surge porque as circunstâncias sempre mudam e sempre haverá ameaças ao nosso bem-estar, aos nossos desejos, nosso corpo, coisas que queremos. Quando tudo está sempre sob ameaça, o medo se desenvolve naturalmente. Lidar com o medo é parte da vida espiritual. Yogananda dizia que fugir dos problemas pode parecer a solução mais fácil, mas você apenas se fortalece quando luta com um oponente mais forte. Aquele que não tem dificuldades é aquele que não cresce. Quando você tem entendimento, não tem medo. No entendimento está a segurança. Logo, o medo pode interferir no nosso processo de evolução se nos deixarmos paralisar por ele. Contudo, nossa evolução se propaga para a frente quando lidamos com o medo e o superamos. Podemos até ficar paralisados pelo medo, mas, se com o tempo lidarmos e vencermos isso, então estaremos dando grandes passos adiante para a evolução. Em um certo nível, a confiança se constrói através de realizações. Nossa confiança cresce ao fazermos aquilo que sabemos que é o certo. Quando fazemos algo que não temos certeza de que é o correto, mas fazemos assim mesmo, minamos o sentido de nós mesmos.

O mundo não se beneficia do excesso de críticas da mesma maneira que se beneficia do amor. Quantas vezes você mudou porque alguém o criticou? E por que alguém o amou?

Brother Pranavananda

Foto: Gabriel Guarany

E sobre o medo da morte?

O medo da morte é natural. Nós nos acostumamos com o corpo e imaginamos que somos esse corpo. Mas como lidamos com a morte depende de cada um. Yogananda dizia: “Contanto que você não esteja morto, você está vivo. O que há a temer?”. Esse pensamento me ajudou muito. O que descobri foi que, através da prática da meditação, experimentamos algo profundo em nós mesmos. É tão maravilhoso e reconfortante que não tem nada a ver com o corpo, a mente ou algo do mundo material. E nossa alma naturalmente sabe que nosso bem-estar não depende do bem-estar material. A paz encontrada na meditação é outro recurso para lidar com esse medo. Assim, para muitas pessoas, não todas, o medo da morte se evapora.

A meditação se torna cada dia mais importante…

O número de praticantes aumentou porque as pessoas não estão mais satisfeitas apenas com crenças e aprendizados. Elas querem viver, e têm o direito de viver a experiência de Deus. Yogananda define a meditação como a concentração em Deus. Ou seja, relaxar nossa tensão para longe de tudo. Longe das percepções sensoriais, medos, responsabilidades e preocupações. Longe dos pensamentos ruins sobre nós mesmos. Milhares de anos atrás, Santo Agostinho escreveu: “Você está dentro e eu, fora”. Deus está dentro e enquanto estivermos fora não estaremos tão profundamente conectados, precisamos olhar para dentro, e isso é meditar.

Quais são os primeiros passos para aqueles que nunca meditaram?

O primeiro é, na verdade, focar na sua vida. Viva uma vida de bondade e produtiva, fazendo o certo. Não magoe outras pessoas, contribua dando ao mundo e às pessoas o seu melhor. Viva uma vida moral. Isso já criará uma poderosa vibração espiritual em você. Para começar a meditar, procure o silêncio. Você pode fazer isso com leitura espiritual em lugares calmos, não apenas leituras intelectuais, pois é para a vibração da quietude, do silêncio e da devoção. E então olhe para dentro. Ore, fale com Deus, se cale e escute. Tudo isso é a preparação para meditação científica. Yogananda instituiu posições para sentar corretamente, de forma ereta e com o corpo relaxado, levantando os olhos e olhando para o ponto entre as sobrancelhas, sem cruzar o olhar. Isso já é uma técnica poderosa. Existem outras, mas, se uma pessoa já tiver sucesso nisso, poderá então chegar a estágios mais profundos da meditação.

Como podemos ser tolerantes com pessoas intolerantes?

Uma vez ouvi alguém dizer: “Deus não me colocou aqui para julgar o mundo”. Foi como levar um balde de água fria na minha cara! Porque julgar o mundo era algo muito comum em mim e, assim, trabalhei para melhorar isso. Diminuí o excesso de críticas ao próximo. E pensei: “Para o que Deus me colocou aqui então?”. A respos-ta foi clara: amar o mundo e a todos que estão nele. O mundo não se beneficia do excesso de críticas da mesma forma que se beneficia do amor. Pense na sua vida: quantas vezes você mudou para melhor porque alguém o criticou? E quantas vezes você mudou para melhor porque alguém o amou ou confiou em ti? Certo? Isso é algo a se pensar.

Em momentos como os que vivemos, de crise financeira, social e política, o que é importante ter em mente?

Multidões de pessoas se portam de forma egoísta e, logo, to-do o país se torna egoísta, o mundo inteiro se torna egoísta. A falta de cuidado das pessoas pelas pessoas procurando apenas benefícios próprios afeta o mundo todo. Então há guerra, conflitos, depressão, crises financeiras. O que podemos fazer para não piorar essa situação é viver nossa vida harmoniosamente procurando o melhor para todos. As-sim que as pessoas virem alguém fazendo o certo, com certeza seguirão pelo mesmo caminho e farão o mesmo. Então viva corretamente, viva moralmente, expresse bondade, generosidade, amor e responsabilidade. Dê seu coração, alma e mente a Deus em meditação profunda e ore. Ele é o nosso caminho para mudar o mundo, e nós podemos mudá-lo.