Em março de 2017, a pós-graduada no curso de Infância, Educação e Desenvolvimento Social do Instituto Singularidades, Vivian Garcia Garcia, apresentou uma tese interessante a respeito do uso da meditação como alternativa para crianças com sintomas ou diagnóstico de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade). A pesquisa partiu de uma inquietação pessoal a respeito das expectativas criadas sobre os pequenos e de que maneira a medicalização intervém na autonomia que eles têm sobre os próprios corpos, além de lhes embotar a capacidade de lidar – e aprender – com questões desafiadoras da vida. Seguem abaixo algumas informações de seu trabalho, bem como experiências bem-sucedidas de práticas meditativas em escolas que surgiram ao longo da pesquisa.

“A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.”

– Organização das Nações Unidas

TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade

Desde a década de 1980, vêm sendo cada vez mais recorrentes os casos de crianças com os chamados transtornos ou distúrbios de aprendizagem. Em 1994, com a publicação da versão IV do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), que trouxe novos critérios para estabelecer um diagnóstico de transtornos como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), os índices dispararam em todo o mundo. Somente nos EUA, o número quadruplicou.

No Brasil, os dados também são gritantes: entre 2002 e 2013, o consumo de metilfenidato (mais conhecido por Ritalina, prescrito para os casos de TDAH), cresceu 775%. Com isso, o país ficou atrás, apenas, dos norte-americanos no ranking dos maiores consumidores do medicamento.

Gráfico consumo metilfenidato (Ritalina) no Brasil

Relação com o ambiente escolar; histórico e incidência familiar; interesses econômicos por parte da indústria farmacêutica; excesso de informações e novos valores culturais são possibilidades aventadas em pesquisa a respeito do histórico do transtorno. Isso tudo porque não há consenso entre diferentes grupos sobre as causas e diagnósticos, o que torna ainda mais delicado o cenário para a criança que apresenta sintomas de desatenção e hiperatividade. Espera-se que ela se encaixe em um padrão de resposta – ou não – aos estímulos e a forma como lida com isso é que, em muitos casos, vai determinar o quadro clínico. Mas o que seriam padrões de comportamento esperados é a grande questão.

O diagnóstico do TDAH é realizado a partir de entrevistas clínicas com os pais e com a própria criança e, quando ela já frequenta a escola, pode-se considerar a avaliação de algum professor e/ou profissional que acompanhe a sua rotina. De acordo com a Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), somente psiquiatras, neurologistas e neuropediatras podem fazer este diagnóstico. Para o Instituto Paulista de Déficit de Atenção, no entanto, o entendimento é diferente. Em seu site, eles afirmam que “não há nenhuma lógica, razão técnica ou legal, que justifique limitar o diagnóstico a médicos, exceto favorecer tratamentos baseados em alternativas medicamentosas.”.

No DSM-5 (Manual de Estatística e Diagnóstico de Transtornos Mentais), a observação dos sintomas passa pela existência de um “padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento”. A manifestação de vários dos sintomas antes dos 12 anos de idade e em mais de um ambiente (em casa e na escola, entre amigos e na família), com evidências claras de que eles interferem no funcionamento social, acadêmico ou profissional ou de que reduzem sua qualidade, deve ser considerada. Além disso, o documento orienta ao diagnóstico diferencial, onde a existência dos sintomas não se justifique por outro transtorno mental (por exemplo, transtornos de humor, ansiedade, entre outros).

Criança com TDAH

De todo modo, os próprios médicos vêm questionando os possíveis abusos e excessos nos diagnósticos e prescrição de medicamentos. Por conta disso, foi formado em 2010, no Brasil, um Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade com o objetivo de “articular entidades, grupos e pessoas para o enfrentamento e a superação do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento”.

Pelo fato de o metilfenidato estar enquadrado na categoria “psicotrópico”, há uma série de ressalvas por parte de alguns profissionais da área de saúde no que se refere à prescrição a uma criança, tendo em vista que a estrutura cerebral dela ainda está em formação. Muitos médicos consideram que “os benefícios não compensam os riscos.”.

Meditação – uma alternativa

São muitos os aspectos positivos da meditação comprovados cientificamente: melhora o funcionamento do cérebro, aumenta a capacidade cognitiva, de concentração e o controle emocional, aumenta a massa cinzenta, o fluxo sanguíneo e algumas áreas do cérebro, como o hipocampo, que é importante para a aprendizagem, a memória e a regulação da emoção. Ela, também, promove o autoconhecimento e é uma importante ferramenta para desenvolver habilidades como resiliência e outras que digam respeito a desafios e resolução de conflitos. Por isso, quanto mais cedo for incorporada à vida, melhor.

Crianças meditando em sala de aula

Então, pode ser uma alternativa às crianças hiperativas e com déficit de atenção?

Foi realizado um estudo, nos Estados Unidos, com crianças entre 11 e 14 anos, com diagnóstico de TDAH. Durante seis meses, elas praticaram meditação transcendental e os resultados foram significativos: melhora em funções executivas; maior capacidade cognitiva; comportamento positivo reportado pelos pais e melhor capacidade de concentração. Além disso, os alunos consideraram a prática “agradável e fácil de fazer” e passaram a se sentir menos ansiosos.


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A meditação também faz parte da rotina de crianças com até seis anos de idade da escola Arte de Ser, em São Paulo. Todos os dias, os pequenos reúnem-se em roda e aprendem a criar consciência do fluxo da respiração e a acionar o “olhinho de olhar para dentro”, que – entre outras coisas – os ajuda a controlar as emoções. Veja só que interessante o relato da coordenadora pedagógica e professora da escola, Nana Palmeira: “um dia, um de nossos alunos mais agitados me pediu durante a aula para se afastar um pouco das atividades e ficar sozinho. Ele disse que estava muito nervoso e precisava ‘respirar para se acalmar’”.

“A meditação, fundamentalmente, se relaciona a perceber o seu apoio, por exemplo, perceber a sua respiração, e isto se torna uma âncora da sua atenção…quando a sua atenção se dissipa em um pensamento ou em algo fora de você que rouba sua atenção, você, voluntariamente, traz a sua atenção para essa ou essas âncoras.”

– Fernando Bignardi, “Meditação e disciplina”

Curiosamente, as palavras “medicação” e “meditação” têm a mesma origem: do latim mederi ou medere, que significa curar ou tratar. E, a cada ano que passa, não só no campo da etimologia elas se aproximam, uma vez que a medicina tradicional vem reconhecendo o poder curativo da milenar ciência iogue. Em janeiro de 2017, uma portaria publicada pelo Ministério das Saúde passou a considerar sessões de meditação como um procedimento de “Práticas Integrativas/complementares” a ser realizado pelo SUS. Ela está assim descrita no documento: “Prática presente em diversas culturas e tradições, que por meio de um conjunto de técnicas visa harmonizar o estado de saúde da pessoa. Pode ser realizada de forma individual ou em grupo”.

 

Fonte: Meditar ou Medicar? A prática do silêncio como uma alternativa à medicalização de crianças com sintomas de desatenção e hiperatividade – Vivian Garcia Garcia