tsurusA gente sabe que vai chegar o dia de todo mundo. E, pela “ordem natural das coisas”, que os mais velhos partem antes. Mas, às vezes, essa lógica não funciona e um susto, seguido de dor, suspende o ar: Foi-se embora um filho. Alguém que havia sido aninhado num ventre e recebido carinho por meses, alguém com um berço, um diário de bordo e um seio vertendo leite para alimentá-lo fartamente. Ficam os rastros, acentua-se a dor. E agora? Como superar a morte de um filho?

José nasceu em 04 de março de 2011 e viveu na UTI neonatal por 11 dias. Às seis da tarde de 15 de março, ele partiu. Acompanhado pelo pai e pela mãe, que lhe seguraram a mãozinha e o acarinharam o peito, respectivamente. Humanitário, o hospital possibilitou a Camila e ao Lufe esta digna despedida do filho. Como diz a mãe, um “parto às avessas”. Dois dias depois, a carta de despedida foi postada no blog http://sejafortejose.blogspot.com.br/ criado por Camila para dividir as dores e preocupações de alguém com um filho recém-nascido na unidade de terapia intensiva. Dava-se início um novo ciclo. O do luto:

Nem bem aceitei que ele nasceu e ele já morreu, é tão estranho. Acredito que encontrarei José de novo, em algum momento, em algum lugar. Para sempre vou amá-lo. Ir ao enterro do meu filho hoje foi a coisa mais difícil que fiz na vida. Viver depois disso será a segunda coisa mais difícil.

“Quando se dá nome aos sentimentos, eles ficam mais naturais. Essa normatização não aplaca a dor da perda, mas facilita a identificação e a troca entre as pessoas”, conta a psicóloga Sylvia T. Puppo Neto – filiada à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, neste interessante projeto do UOL com depoimentos de pais que perderam seus filhos: http://tab.uol.com.br/morte/.

Camila jamais poderia imaginar o efeito de suas publicações.  As mensagens que recebeu acabaram por fortalecer, mutuamente, as duas vozes por trás dos computadores. Algo que foi fundamental para auxiliá-la a atravessar este difícil processo e que resultou no “até breve, José”, um livro de extrema sensibilidade. Leia a entrevista abaixo e saiba mais sobre essa linda história.

Como superar a morte de um filho, por Camila Goytacaz

Camila Goitacaz

1) Como o processo da escrita te auxiliou a lidar com a dor da perda?

Escrever na gestação era um hábito, depois passou a ser uma forma de elaborar. Escrever era minha rotina no luto, assim como chorar. Naquele momento eu não tinha intenção em publicar (o livro “até breve, José”), apenas precisava viver este processo catártico. Abria o computador, escrevia, chorava, meditava, escrevia, fechava o arquivo e ia tentar viver a vida. Quando comecei a me corresponder com outras mães que passaram por isso, ora dando, ora recebendo apoio, percebi que nossas histórias eram parecidas e que valia a pena falar sobre o luto. Durante a edição, que foi longa e cuidadosa, senti vontade de trazer o tema com leveza para falar do luto. Escolhemos recursos visuais para trazer esta suavidade. Por isso o livro começa em cores pálidas e vai ganhando tons mais vivos, como o próprio processo do luto, do cinza ao pink, da perda à esperança.

2) Você acha que é preciso falar mais sobre a morte?

Acredito que nós, ocidentais, não lidamos bem com a morte. Há um grande  medo em falar da morte, comentar sobre quem morreu ou assumir que sim, os bebês também morrem, por razões e situações diversas, e isso faz parte da nossa existência. Ainda é um tabu! Quando meu filho se foi, eu tive a impressão de que aquilo só estava acontecendo comigo. Comecei então a “travessia do deserto do luto” como chamo no livro, que é a vivência deste processo longo, dolorido e solitário. No entanto, eu nunca quis jogar a dor para debaixo do tapete. Eu precisava falar! E agora, com o livro publicado e a primeira edição esgotada em poucos meses (já disponível na segunda edição), a partir da grande troca que venho tendo com leitores e interessados, entre eles mães e profissionais de saúde, tenho ainda mais certeza que é preciso falar, ler, escutar, acolher as pessoas em suas histórias de perda. Só assim podemos entender e tornar mais natural e, portanto, menos solitárias e mais curativas estas experiências.

3) Qual a melhor maneira de vivenciar o luto?

Para quem está neste processo (vivendo a perda) acredito que é preciso seguir em frente, mas é também permitido chorar! Poder chorar é um luxo hoje em nossa sociedade, tão embasada na busca pela felicidade, na correria cotidiana. Acho perigoso quando rapidamente se retoma à vida e não se vive o luto, negando a dor ou escondendo-a em algum lugar. Também acho complicado o outro extremo, de entrega ao desânimo, tristeza ou depressão. O equilíbrio é necessário e saudável no processo do luto: como eu digo no livro, é possível ser feliz e triste ao mesmo tempo. Embora cada pessoa encontre sua forma de lidar, todos, todos mesmo, precisam de apoio e compreensão. O tempo não dá conta de tudo. O que realmente faz a diferença é o abraço sincero, o e-mail carinhoso, a palavra que vem do coração, enfim, os gestos de solidariedade.

4) Que caminhos encontrou para explicar aos seus filhos o que tinha acontecido? Qual a importância da escola durante esse processo?

As crianças lidam com a morte bem melhor que muitos adultos. Sempre buscamos uma comunicação franca com nossos filhos, sobre este e qualquer outro assunto. A escola foi importante como um ambiente que oferecesse acolhimento e compreensão neste momento tão delicado que nossa família vivia. Hoje meus filhos estão com 6 e 3 anos, falam do irmão “do meio” que foi para o céu com muito carinho e naturalidade. José faz parte da família, à sua maneira.

5) Quando vai tratar do tema publicamente, em palestras, o que mais te perguntam?

Uma das perguntas mais recorrentes é sobre como foi engravidar logo depois de perder um filho, e essa é uma questão que envolve o medo, muito presente para mulheres que vivem perdas gestacionais ou perinatais. Aqui costumo dizer que é preciso ter fé na vida, confiar, seguir em frente. Cada filho é um, cada um deve ser honrado por sua história. Outra pergunta é sobre a assistência, como enxergo a forma como as pessoas em geral e especificamente os profissionais de saúde hoje lidam com o luto e como poderiam melhorar. Neste sentido, reforço a importância de chamar a atenção para o tema. É preciso ampliar a sensibilidade, saindo dos protocolos e oferecendo a quem vive uma perda acolhimento, escolha (no que for possível) e escuta.

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